por Carol Mennocchi - Coordenadora do Projeto Bibliotecas
Cada vez mais estamos atravessados pelo tempo contemporâneo, dominado pela ciência e pela tecnologia. A inteligência artificial já é um fato na nossa sociedade, a lógica da produtividade ininterrupta nos atropela diariamente, e cabe a todos nós encontrarmos novas formas de dialogar sobre a existência com ética e respeito.
Diante desse cenário irreversível, as narrativas continuam sendo, em todas as culturas humanas, das mais primitivas às mais sofisticadas, um elemento estruturador por excelência. Através da leitura desenvolvemos nossa capacidade de discernimento, analisamos e compreendemos nuances, e isso garante liberdade, afinal, quanto mais somos leitores, maior nossa autonomia intelectual.
A literatura efetivamente nos liberta das maneiras convencionais de pensar a vida, ela resiste à tolice e mediocridade de modo sutil, nos tornando mais sábios e sensíveis, além de dilatar nossa criticidade alertando para os tendenciosos direcionamentos algorítmicos.
Todos os benefícios de uma leitura literária individual já são muito conhecidos e incontestáveis. Vários são os estudos acadêmicos que comprovam a grandiosidade do hábito, mas o que acontece quando pessoas sensíveis, inteligentes e criativas se reúnem para conversar despretensiosamente sobre literatura?
Ler um livro sabendo que depois será possível compartilhar os afetos, os sentimentos, as intuições ou então sentir-se incomodado com um trecho ou personagem para depois perceber pela fala do outro que algo de nós está sendo friccionado e deslocado é imensamente gratificante. As descobertas pessoais feitas por essa experiência estética compartilhada nos humaniza, amplia a esfera do nosso viver e fortalece laços de humanidade. Isso ressignifica quase tudo à nossa volta e, convenhamos, todo esse mundo líquido, fragmentado e isolacionista precisa ao menos ser questionado.
Sentar-se em roda, validar a consistência do olho no olho, garantir uma escuta atenta derivam da prática ancestral de nos sentarmos ao redor de uma fogueira para ouvir e contar histórias. Aristóteles reunia seus pupilos para ler e conversar sobre questões políticas e filosóficas a partir de uma obra instigante e, desde então, já estavam todos em comunhão, potencializando as reflexões sobre a vasta condição humana.
Gosto de pensar nos encontros de Clubes de Leitura como momentos ritualísticos. O filósofo coreano Byung Chul Han alerta:
"O mundo de hoje está muito desprovido de simbólico. Dados e informações não possuem força simbólica. Assim, não admite reconhecimento. No vazio simbólico, todas as imagens e metáforas que provocam sentido e comunidade e que estabilizam a vida têm se perdido. A experiência da duração vem diminuindo."
Na lógica produtiva dos tempos atuais, para que serve estar em roda com outras pessoas falando de literatura? Absolutamente para nada, apenas para estar em roda com outras pessoas falando de literatura. Todo o simbolismo - desta presença atenta, deste habitar efetivo, da duração deste momento - é ritualístico. Mais uma vez pelas palavras de Han:
"Os rituais criam um saber e uma memória corporalizados, uma identidade corporalizada, uma comunhão corporal. A comunidade ritual é uma corporação."
Clubes de leitura são lugares de presença efetiva, assim como também são espaços de liberdade, respeito e, antes de tudo, de escuta. Aprofundar essa sensação de pertencimento e de corporação e perceber o mundo com novos pontos de vista é sempre uma dádiva que nos engrandece como humanidade. Quem participa de clubes de leitura genuinamente se interessa pela visão de outras pessoas, não apenas sobre os livros, mas sobre a vida em geral. São pessoas disponíveis para troca, onde pouco importa quem sabe mais ou quem tem razão, tampouco é relevante concluir e chegar a um consenso ou sair com respostas e certezas que nos engessam em mundos conhecidos e controlados. A experiência se dá pela entrega, pelas dúvidas e pelos devaneios ali semeados.
Diante de todos os dilemas da contemporaneidade, participar de um clube de leitura pode ser disruptivo e absurdamente curativo. Pelas palavras de Ailton Krenak:
“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar.(...) O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim do mundo."
Fico pensando como algo tão simples e antigo pode ser tão revolucionário no mundo atual? Talvez seja pela angústia catalisada pela falsa sensação de pertencimento das redes sociais, ou pela cacofonia estridente de tantas vozes que não dizem nada, ou ainda pela rolagem infinita de telas que não se relacionam entre si. São muitas as hipóteses para esse vasto criadouro de ausências. Fato é que clubes de leitura validam e garantem a presença de pessoas no seu formato mais belo: em estado de atenção plena, com uma escuta atenta, olhos vigilantes e tantas vezes emocionados.
Atualmente, na Escola Viva, existem 3 clubes de leitura ativos: Clube Viva - destinado a adultos da equipe e das famílias da escola; Clube Viva Jovens - destinados a alunos de F2; e Clube Viva Majopete - destinado a alunos do 3º ano do Fundamental.
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